sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Naquele Tempo....

Zé derruba lutador com golpe de capoeira (Foto: TV Globo/Frederico Rozário)
Zé derruba lutador com golpe de capoeira (Foto: TV Globo/Frederico Rozário)
 
Indignado com o destaque dado pela imprensa ao jiu-jítsu, Zé Maria saiu em defesa da capoeira e criticou o preconceito em relação à sua prática. Quis ainda ver de perto a luta do famoso campeão japonês e não titubeou diante da oportunidade de enfrentá-lo. Com um golpe certeiro de capoeira – um rabo-de-arraia – Zé Maria derrotou em poucos segundos o até então invencível lutador de jiu-jítsu, levando o público ao delírio.
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A luta e a vitória de Zé Maria foram inspiradas em um episódio ocorrido em maio de 1909 no Concerto Avenida, local de espetáculos no Centro do Rio de Janeiro. Os protagonistas da vida real foram o brasileiro Francisco da Silva Ciríaco – carregador de café, negro e capoeira – e o japonês Sado Miako – lutador de jiu-jítsu e instrutor na Marinha Brasileira. A vitória de Ciríaco teve grande repercussão na imprensa que não apenas relatou o fato mas mostrou fotos com alguns golpes da capoeira. Mesmo perseguida pela ordem pública e criminalizada pelo Código Penal, a capoeira – já não tão temida e perigosa – virava manchete de jornais e revistas, ganhando respeito público e um heroi. Como explicar esses acontecimentos?
Ocorria com a capoeira o mesmo que com outras manifestações populares, como a música e o candomblé. De um lado, eram alvo de preconceito por parte dos mais conservadores (e no caso do candomblé e da capoeira também condenadas pelo Código Penal); de outro, encontravam curiosos, defensores e adeptos entre intelectuais, jornalistas, boêmios e até políticos. A criminalização da capoeira não significou o seu desaparecimento nem tampouco que o interesse pela prática estivesse restrito ao universo da cultura popular. Mas muitas vezes a aceitação da capoeira se dava a partir de sua “domesticação”.
A capoeira perseguida e temida era aquela praticada nas ruas de forma organizada e violenta, fazendo uso de navalhas e provocando terror. Desvinculada dessas características consideradas perigosas, a capoeira tornava-se uma prática aceita e inofensiva, mais próxima de um esporte ou de uma luta. Imprensa e intelectuais passavam, assim, a se referir à capoeira como uma “ginástica esportiva de caráter nacional”. Na Revista da Semana de 30 de maio de 1909, falava-se das “vantagens da capoeiragem como exercício”. Tais vantagens seriam ainda maiores se fossem estabelecidos métodos, regras e “expurgados os golpes misteriosos e mortais”. (assista à cena da luta entre Zé e o lutador japonês)
Junto com a valorização da prática como luta e esporte, era comum também a referência à sua característica “genuinamente nacional”. A revista O Malho, de maio de 1909, informou que “o jogo puramente nacional teve as honras da vitória e venceu o jogo japonês”. Não era só da valorização da cultura européia, portanto, que se valia o período da Primeira República. Já se começava a buscar referências que expressassem e identificassem o Brasil e sua cultura.
A vitória de Ciríaco repercutiu positivamente sobre a capoeira e seus praticantes. Como colocou o historiador Luiz Sérgio Dias, a capoeira começava a sua longa caminhada até ser reconhecida como luta nacional – fato ocorrido durante o período do Estado Novo, com Getúlio Vargas. Mas nessa caminhada, a capoeira foi se transformando e se distanciando de suas características originais: prática livre, de rua, de resistência negra. Um jogo, mais do que uma luta. Por isso, para alguns praticantes, o caráter cultural e lúdico também poderia se perder com a transformação da capoeira em esporte e competição.
Por Rosane Bardanachvili
 
Extraído de : http://tvg.globo.com/novelas/lado-a-lado/Fique-por-dentro/naquele-tempo/noticia/2013/02/naquele-tempo-luta-de-ze-maria-contra-japones-remete-a-luta-real-de-1909.html